segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Budapestes

Meu primeiro contato mais detido com esta cidade foi através do livro do Chico. O segundo foi in loco, ao passar pouco mais de 48 horas na capital húngara. O último foi por um outro livro, Budapeste 1900, de John Lukacs (que não tem parentesco nenhum com o Georg). Em todas as três visitas a língua se tornou a personagem fundamental. Chico Buarque parte dela ao construir seu labirinto, é sabido daqueles que acompanham sua carreira que ele desconhecia a cidade antes de escrever sua obra. A única língua que o diabo respeita realmente é muito estranha para nossos ouvidos latinos (aliás, para todos os ouvidos não húngaros). Felizmente, a barreira da comunicação foi facilmente vencida pela disponibilidade e carinho do povo budapestino em minhas aventuras por lá. A cidade se mostrou muito mais do que imaginávamos e ainda hoje sou justamente criticado por minha esposa que, intuindo melhor que eu, desejava destinar mais tempo de nossa viagem àquele paradeiro... Budapeste é grande. Grande e bela. Bela e densa. Densa e calma. Enfim, é uma daquelas cidades que nos desafiam a fuxicar cada canto, como deveriam ser todas as cidades. Obviamente o fato da língua incompreensível é um chamariz a mais por proporcionar uma sensação de deslocamento constante.
Foi com esta vontade que comprei o livro Budapeste 1900, de John Lukacs. Queria saber mais sobre sua história, sobre suas ruas, seu povo, sua língua. E eis que descubro a exceção que confirma a regra: mesmo com sua língua, mesmo com sua cidade, o livro é enfadonho.
Como toda história, há diversas formas de se contar a saga de uma cidade. Mas o ponto de partida de John Lukacs é uma decepção (não consigo escrever apenas Lukacs sem pensar que estou me referindo ao outro, a confusão cerebral é grande, e não conseguiria escrever este texto malhando um Lukacs e tendo o outro como referência) . John trata Budapeste de uma forma essencialmente ocidentalizante, querendo transformar Budapeste em Paris. O que ele faz com aquela cidade equivale às obras urbanísticas de Pereira Passos ao Rio de Janeiro: um desastre sobre diversos pontos de vista.
A vontade de ocidentalizar-se é tamanha em John que seu texto, revestido de erudição, recai em uma ingenuidade que beira a chatice. Se terminei de ler o livro, foi mais por uma homenagem à cidade, e também foi um desafio de me forçar a ouvir aqueles dos quais discordo, para tentar ganhar a sensação de deslocamento tão agradável que as ruas de Budapeste me proporcionara. No entanto, se quiserem ver um relato literário de cidade de forma bem mais interessante, optem pela ficção de Chico, ou então mudem de lugar, viajando pela Istambul de Pamuk (já escrevi sobre ele aqui em um post mais antigo). Boa viagem!





segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Diamantina

A beleza de Diamantina não é sincera. É forjada na violência da permanência forçada. A praça, o beco, as pedras...Tudo ali foi feito sobre o sangue dos outros, sobre a opressão dos outros. E, hoje, cruelmente, o tempo não pode passar e as lembranças da autoridade se mostram como conquistas da civilização.



sábado, 25 de julho de 2009

Rio de Salazar

Após longa jornada retorno aos meus escritos que já me despertavam saudades. Após a batalhatravada na defesa de minha tese, escrevo agora com uma certa leveza, uma pulsão diferenciada.
Li há pouco Rio das Flores, do português Miguel Sousa Tavares - que insisto em chamar de Manuel Sousa Teixeira talvez por me soar um nome mais lusitano e também possuir as mesmas iniciais esquerdistas. Um de seus personagens se desencanta com Lisboa do início do século passado sobretudo por se sentir sufocado em um Portugal condenado a uma ditadura pleonasticamente estúpida. Talvez por influência da obra e somado a uma percepção de quem passa pela cidade com um olhar curioso, começo a me sentir assim em relação ao que o Rio está se tornando.
Hoje em dia a cidade me parece um amontoado de letras perdidas num caos que tem tudo para ser explendidamente criativo, porém, em cada margem, em cada linha de todas as páginas reinam espaços de desencontros forçados que não permitem a reunião das letras para formar sonoras palavras e nem destas para completar frases que precisam ser escritas. A recém criada secretaria de ordem pública é o projeto acabado de uma censura urbana que se consolida como rumo de um futuro triste onde há polícia em todas as esquinas com armas brutais comandando proto-bestas fardadas.
Salazar se mudaria para cá, se o romance de MST se passasse no século XXI.


terça-feira, 26 de maio de 2009

A paisagem indesejada - ou a mea culpa

Estava o arquiteto a fotografar, veio uma pessoa a lhe atrapalhar...A pessoa na escada, a escada no foco, o dedo no disparador e o arquiteto a chorar...
Não tiramos fotos com gente! E por mais que acessemos todos os argumentos possíveis para justificar esse nosso vício, ele diz muito a respeito de nosso horror profissional às pessoas. Somos treinados assim em nossas escolas de arquitetura e nos acostumamos a isso ao folhear as revistas límpidas que parecem mais registros de espaços pós-apocalípticos que qualquer outra coisa.
Nossa formação destorce a relação necessária com o ser humano e nos transforma em produtores de espaços para o nada, ou melhor, para o olhar distanciado e, de preferência, especializado. Desconsideramos aqueles que constróem nossas obras, que as habitam e lhes dão mais que vida, lhes dão sentido e lhes transformam...Quanto horror temos à transformação, quanto apego às idéias, aos modelos. E, só para problematizar mais um pouco a situação, chamamos os usuários de nossas obras de: clientes...Quanta distorção. Não é à toa que a arquitetura vai de mal a pior, e nossas cidades juntamente se transformam em espaços de dissocialibilidade. Como somos responsáveis por isso tudo...
Enquanto tirarmos fotos sem pessoas, continuaremos a escrever enciclopédias e nunca alcançaremos a poesia. E, nesse cenário todo, e em nome da contradição necessária, olhemos o trabalho de Gabriele Basilico, que sabe como ninguém fotografar a cidade vazia...E creio que muitos encaram sua obra como elogio ao nosso trabalho...Quanta petulância.

Para quem não conhece:






terça-feira, 5 de maio de 2009

Errata

Foi um atraso que me fez pensar que o texto não seria publicado. Uma semana e pouco depois do previsto, recebi o aviso me dizendo o contrário. Está lá, como um complemento a um outro texto sobre o mesmo assunto dos muros, que recomendo a leitura.

Segue o link para o texto principal:


sexta-feira, 24 de abril de 2009

A política do concreto armado.

Hoje publico um texto que fiz para que, talvez,  fosse publicado em um site de arquitetura. Como a coisa está se encaminhando para uma não publicação, seja pelo teor do texto, seja pela censura arquitetônica, seja pela qualidade da minha escrita, sabe-se lá, publico aqui mesmo. Se sair no referido site aviso aqui também.
Trata-se de uma crítica à política dos paredões que estão sendo erguidos em favelas cariocas, tema ao qual me debrucei em meu mestrado, há uns quase quatro anos. Difere um pouco do tom (e do tamanho) usual dos textos deste blogue - assim grafa Saramago - mas, afinal de contas, de que vale um blogue com um único estilo de abordagem...talvez a tudo, salvo à representação da cidade.
Aproveito a deixa para justificar a minha ausência nestes últimos meses, mas minha tese está sendo parida e não estou encontrando energia para depositar neste espaço...espero que isso logo mude!

A POLÍTICA DO CONCRETO-ARMADO: REFLEXÕES URBANÍSTICAS SOBRE OS PAREDÕES QUE CIRCUNDARÃO AS FAVELAS DO RIO DE JANEIRO

 

Por Cláudio Rezende Ribeiro [1]

O governo do Estado do Rio de Janeiro acabou de desmentir o mito de que os territórios populares da cidade do Rio de Janeiro, também conhecidos como favelas, são locais onde não há a presença governamental. De acordo com o senso comum, as favelas seriam territórios separados da cidade formal, uma espécie de corpo estranho no tecido urbano, onde a ilegalidade impera principalmente pela ausência do Estado nestas áreas.

Mas eis que, contrariando tudo que se diz, propaga-se, dissemina-se e até se acredita a respeito do assunto, o Governo do Estado do Rio de Janeiro (doravante GERJ) demonstrou que essa não é a verdade, ao menos não é a verdade desta gestão. Mais ainda, contrariando a tradição social e política brasileira, o GERJ desmontou este senso comum não apenas no reino das idéias, mas de ações concretas, inclusive com valores relevantes para calar a boca daqueles que medem projetos governamentais pelo custo: segundo a Folha de São Paulo (perdoem-me a fonte, mas foi onde encontrei o dado [2]) a ação custará 40 milhões de Reais aos cofres do GERJ, para alegria da empreiteira vencedora que vai conseguir manter seus lucros em margem bastante confortável em uma época de crise, vivificando um keynesianismo meio zumbi.

Sei que muitos estão indignados com as palavras ditas acima. Ora, dirão, este senso comum da ausência do Estado nas favelas já foi há muitas gestões desconstruído posto que a todo momento este envia àquelas áreas diversos representantes institucionais responsáveis pela manutenção da segurança pública, a assim chamada Polícia Militar, que não cansa de demonstrar em diversas ações diárias que, sim, o Estado, com todo seu poder está presente naquelas áreas. De modo algum permitiria a ação de uma mão invisível liberal nestas áreas, como comprovam os tapas levados por diversos inocentes e culpados por mãos nem um pouco invisíveis, aliás, parece-me que são mãos manchadas de diversos tons entre o vermelho e o roxo. Entendo a indignação, fui injusto e imparcial ao classificar a ação do GERJ como inovadora, mas me referia mais especificamente àquilo que os governos e a grande imprensa costumam assumir como suas ações, ou seja, obras. E estas, obviamente, são difíceis de se encontrar nas tais regiões... Pelo menos eram até agora!

Fora o PAC, que é ação do Governo Federal e não cabe aqui entrar em detalhes no momento, nada de novo ocorria nas favelas cariocas até o anúncio da grande obra milionária: os eco-limites.

O ineditismo da ação, porém, está em sua concretude, não em sua idéia. Há alguns anos a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (doravante ALERJ) fez proposta semelhante de erguer um muro em torno Favela da Maré, em nome da segurança dos cidadãos de bem, ou seja, os que possuem automóveis e trafegam pela Linha Vermelha e em detrimento dos pobres, que nem mais poderiam vender diversos gêneros alimentícios àqueles cidadãos em seus engarrafamentos diários [3]. A ação foi proposta por aquela casa e vetada pelo GERJ de então, sem nenhuma consulta, obviamente, aos moradores do local. Obviamente que isso não impossibilitou a revolta dos mesmos que prontamente organizaram panfletos, manifestos e protestos contra o possível enclausuramento, mostrando para quem quisesse ver que os pobres são detentores, pasmem, de consciência política e de capacidade de organização.

Mas chega de cinismo! Aliás, devo me justificar, certamente este cinismo tem fundo em algum conflito psicológico entre minha formação genética que me fez destro e meus pensamentos e ações sinistros que em alguns momentos se reflete desta forma, ou seja, o cinismo aparece certamente quando meu lado destro fala mais alto como numa tentativa de me tornar mais governista, tipo a grande imprensa, e deixar de ser crítico, daí a necessidade de ironia, caso contrário minha mão direita assume sua invisibilidade de vez e impossibilitaria a conclusão deste texto pela dificuldade datilográfica.

 

DAS CONTRADIÇÕES POSSÍVEIS ENTRE O CAMPO URBANO E O AMBIENTAL

 

Oportunidade como esta não pode ser desperdiçada por nós, intelectuais, pois são situações privilegiadas onde a crítica pode se aproveitar para demonstrar sua capacidade de transformação de pensamento e gestos, além do mais, omitir-se num momento como este é ação grave.

A primeira coisa a ser colocada em debate aqui é a justificativa do muro como sendo interessante para os moradores das favelas. Geralmente esta justificativa é dada por “não moradores” destes locais, que não costumam ter voz nem ação ativa em nossa organização democrática. Mas, enfim, o que se quer expor aqui é que a justificativa se pauta em nome da convivência pacífica com muros. Diversos argumentos super-afinados espalhados por inúmeras reportagens jornalísticas apresentam a tese de que muros existem em condomínios, em casas, e isto seria, além de normal, aceitável, desejável e de fácil de convivência.

Se também não posso falar em nome dos favelados, falo em meu nome: não me dou muito bem com muros, grades e afins. Não gosto das praças do Rio de Janeiro que são cercadas, não gosto que as entradas de diversos prédios, inclusive o meu, possuam grades, que, via de regra, são feias – a única grade bela do mundo está em Salvador, no Campo Grande, desenhada por Carybé. Não me agrada tampouco o prédio em frente à minha janela, que é uma espécie de muro que não me permite ver nem um pouquinho da rua. Mas entendo quem goste de muros, e é por isso que eles escolhem muitas vezes morar em condomínios, isto costuma ser um a opção, não uma imposição. Ora, os pobres do Brasil nunca foram consultados em relação a quase nada e sempre se viraram sozinhos, sem apoio do Estado, para tudo, principalmente para moradia, acredito que se desejassem muros, já teriam os feito, e com menor custo que os atuais, obviamente. Soa-me assim um tanto quanto arriscado dizer que viver cercado por muros é coisa aceitável, principalmente quando quem viverá murado será o outro.

A grade do Campo Grande em Salvador, exceção que confirma a regra da feiúra de tais elementos (acervo pessoal do autor).


Outra coisa a se destacar é o argumento ambiental tantas vezes utilizado para uma ação em ambiente urbano, que autoriza nomear o paredão – pois o muro está mais para um paredão – de eco-limite. É bom que os urbanistas abram seus olhos para este tipo de confluência de pensamentos e de ações. Todos devem abrir os olhos, aqueles que nunca pararam para pensar nisso devem fazê-lo para não cair na ingênua aceitação deste discurso, e aqueles que o proferem devem ter consciência de que lado político estão quando dizem tal coisa, para não se enganarem quanto a possíveis reações críticas e práticas futuras.

Esta mescla de discurso ambiental e urbano pode ser bastante saudável. Traz, sem dúvida, inúmeras contribuições progressistas para o debate como a questão de um melhor uso da água, do solo, de um melhor desenho urbano voltado para diferentes fontes energéticas e renovadas críticas sobre as matrizes de transporte contemporâneas, para ficar no mais óbvio. Há inúmeros ganhos. Mas não se pode descartar uma aproximação crítica deste novo pensar. Deve-se levar em conta que o pensamento ambiental está carregado de alguns vícios que foram a duras penas afastados do pensamento urbano ao longo do século XX e que retornam agora com outra roupagem.

No início do século passado houve a conhecida onda do higienismo, quando as propostas de reforma urbana, sempre pensadas e realizadas de cima para baixo – isso nunca mudou – eram orientadas para uma limpeza da cidade em nome do combate a doenças que se espalhavam com mais força em certas áreas devido ao rápido e precário crescimento do tecido urbano. Acontece que as áreas doentes, que deviam ser extirpadas como um câncer, eram as áreas pobres, sempre mal vistas como sujas. Este tipo de pensamento desencadeou ações que se tornaram impensáveis décadas mais tarde, graças a muita luta popular, como as remoções de favelas. A lógica era: há lugares sujos, possíveis focos de doença – isso faz mal à cidade – vamos limpar do mapa estes locais.

Não se quer aqui reduzir o urbanismo do início do século passado (aliás, originado em finais do XIX) apenas neste tipo de ação. A ele deve-se também a vulgarização de parques urbanos, por exemplo. Mas há em sua lógica aspectos que não devem ser esquecidos.

Encarava-se a cidade como um corpo que deveria ser saudável. Note-se bem que não se levava em consideração que as pessoas que moravam naqueles locais considerados doentes também faziam parte deste corpo. Quem executava esta política cheia de diagnósticos e outros termo médicos, ou seja, esta medicina social, sabia bem a quais classes deveria enviar mais tarde seu boletim médico satisfatório. Os pobres estavam fora de qualquer decisão e se tornariam alvo de inúmeras remoções, com imensas perdas sociais, em nome de um discurso bem colocado de limpeza, higiene e saúde.

Muita movimentação e luta popular levou ao descrédito tais tipos de ação autoritária no campo urbano. Porém, hoje algo similar, com nova retórica, volta a dominar o pensamento urbanístico. E é isso que possibilita se pensar propor e construir muros que cercam apenas a população pobre em nome de um discurso ambiental. Deve-se ser cauteloso com a tal “causa verde”, pois esta, aos poucos, está trazendo de volta um pensamento anti-social em relação à cidade. Se antes eram as doenças e a sujeira que comandavam os médicos urbanos, hoje é a paisagem e o verde que comandam seus estetas. Pois me parece muito mais um discurso estético isso que se faz hoje nas favelas, ao invés de se extirpar um câncer, hoje se quer conter o avanço de uma gordurinha indesejada. Ao invés de se resolver, primeiramente, os problemas sócio-ambientais existentes dentro das favelas, como a ausência de saneamento básico, de postos de saúde, de bibliotecas, arborização e por aí vai, quer se gastar fortunas no impedimento da propagação dos pobres, deixando em condições mais precárias espaços urbanos que, muito pelo contrário, necessitam de melhorias. Aliás, com a construção dos muros, obviamente, a verticalização se intensificará nas favelas, piorando ainda mais as condições urbanas e ambientais dos estreitos becos existentes nestes espaços.

Enfim, é necessário que se pense seriamente na aceitação de tais atitudes, é preciso que todos os professores, alunos e profissionais da área urbana, enfim, todos envolvidos neste campo se posicionem sobre este assunto. Seja a favor ou contra os argumentos utilizados, p que me soa mais importante é que haja clareza da posição assumida. Parece-me inadmissível, por exemplo, encontrar justificativa para tais muros e ao mesmo tempo se reclamar das mazelas de uma cidade cada vez menos democrática. São ações incompatíveis! Voltar a crer em um discurso que naturaliza situações sociais é regredir, é ir contra a luta popular histórica que conseguiu denunciar e criar uma consciência de melhoria dos locais de moradia dos pobres, que, aliás, não necessariamente permanecerá como tal, já que não acredito na permanência natural e eterna da situação dos pobres do mundo.

E, por último, mas não menos importante, é bom que se evidencie também a possibilidade real deste discurso ambiental mascarar a continuidade da política de extermínio que se pratica nos morros e favelas do Rio de Janeiro, num movimento que une um Muro (ou Paredão) e a Polícia Militar (e milícias e afins) criando uma ação do Estado que se pode chamar de, voltando à ironia, política do concreto-armado.

 


[1] Mestre em Planejamento Urbano e Regional. Doutorando em Urbanismo pelo PROURB-UFRJ.

[2] Disponível on-line em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u550240.shtml e também em http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u544553.shtml.

[3]Sobre este assunto me debrucei durante meu curso de mestrado. Disponível em: http://teses.ufrj.br/IPPUR_M/ClaudioRezendeRibeiro.pdf.

quarta-feira, 4 de março de 2009

O fim da cidade.

Tolice é procurar pelo fim de uma cidade. Não adianta esperar que ele não chega. Chega a morte, mas ele não. Cada passo, cada olhar e todos eles criam e recriam e transformam e desmontam a cidade.
A rua não é só uma rua, os prédios não são apenas construções e nem as praças são simples intervalos. A cidade é música, não uma, mas todas. Procurar o fim de uma cidade é o mesmo que acreditar que se terminou um livro ao devolvê-lo para a estante: pura ingenuidade ou fuga deliberada.
No entanto, começos, estes sim, há vários. 



quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Sobre o risco de ser arquiteto - 3

Lembre-se de algum filme baseado em livro que você tenha assistido. A maioria dos comentários a respeito da maioria dos filmes feitos desta forma, pelo que percebo, é o batido "o livro é bem melhor que o filme".
Na minha opinião, tal comentário ou é óbvio ou é narcísico, quiçá os dois ao mesmo tempo. Acontece que, sem aprofundar muito o assunto, quando lemos construímos a paisagem, as personagens, o ritmo e tudo mais em nossa mente. Selecionamos as partes que mais nos tocam como lembranças principais - as "melhores partes" - de um livro de acordo com o que ele nos toca mais fortemente. Portanto, a não ser que o diretor do filme encare o livro-base de seu filme da mesma forma que você, a história será contada de outra forma, daí a obviedade. O narcisismo fica por conta de se achar pior a versão contada no filme, ao invés de se aproveitar a diferença de um outro olhar.
Coisa parecida ocorre quando um arquiteto visita uma cidade que é diferente daquela construída em sua mente, o que ocorre em cem por cento das vezes. Acaba-se por apenas se enxergar os defeitos que se resumem nas diferentes formas de se conceber e realizar uma cidade. 
Amadurecido, o arquiteto passa a aproveitar melhor os diferentes ambientes urbanos que visita, posto que procura diferenças enriquecedoras num esforço de auto-questionamento. Mas não se engane, para que o arquiteto amadureça, deve se desfazer de diversos ensinamentos recebidos em sua formação, esta ainda infantil, que conecebe a Utopia como lugar factível e não como crítica, como contraponto. O arquiteto é educado para a Utopia, para o modelo impraticável, e se encerra nela, tentando construí-la no mundo real a partir de sua visão do que vem a sê-la.
O problema se complica quando boa parte dos arquitetos nem leu a Utopia e não sabe do que se trata, portanto, não é capaz de eleger suas "melhores partes", projetando, então, na cidade uma expectativa de algo que nem mesmo concebe de forma madura.
Fazer filmes sobre livros não lidos e querer que todos o interpretem à sua maneira, eis um risco de ser arquiteto.




quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Sobre o risco de ser arquiteto - 2

Depois de um merecido distanciamento das letras duras, na praia e na chuva, volto a pesar meus dedos no teclado, renovado (eu, não o teclado que já está meio encardido)...
Há alguns anos atrás visitei Congonhas do Campo, uma das "jóias" do barroco mineiro, para realizar uma delimitação do perímetro de tombamento daquela cidade. Esta foi uma das minhas primeiras atividades como profissional urbanista. E dela não saí impune.
Lembro-me de minha decepção em relação à cidade, sua feiura devido a todos os estragos causados por anos sem uma política eficaz de preservação de seu centro histórico. Nesta reação à visita a campo residem dois riscos de ser urbanista e também arquiteto.
O primeiro deles, que me incomodou durante muito tempo, é o vício do olhar. Apesar de nos debruçarmos sobre as cidades com todo o empenho, e talvez por causa disso mesmo, acabamos por encontrar diversos defeitos em todas elas logo a partir do primeiro olhar. A feiúra nos salta aos olhos de maneira impiedosa, os problemas urbanos logo nos tapam a beleza das construções, das serras, dos jardins...O mesmo deve acontecer em diversas profissões quando em contato com seu objeto de trabalho, no nosso caso, a cidade, ou seja, a plenitude do espaço, o que me gerava certo incômodo constante. Às vezes desejava ser cineasta, ou fotógrafo para, ao invés de encontrar problemas, procurar belas visadas e encarar a cidade como um cenário dinâmico e pronto a receber qualquer olhar.
Não cursei cinema (ao menos ainda), mas já resolvi, ou melhorei, bastante esse desvio do olhar pessimista. E a forma como isso se deu remete ao outro risco de ser arquiteto e urbanista acima referido, que será deixado para a próxima postagem por economia de espaço e de cabeça mesmo.