quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Sobre o risco de ser arquiteto - 3

Lembre-se de algum filme baseado em livro que você tenha assistido. A maioria dos comentários a respeito da maioria dos filmes feitos desta forma, pelo que percebo, é o batido "o livro é bem melhor que o filme".
Na minha opinião, tal comentário ou é óbvio ou é narcísico, quiçá os dois ao mesmo tempo. Acontece que, sem aprofundar muito o assunto, quando lemos construímos a paisagem, as personagens, o ritmo e tudo mais em nossa mente. Selecionamos as partes que mais nos tocam como lembranças principais - as "melhores partes" - de um livro de acordo com o que ele nos toca mais fortemente. Portanto, a não ser que o diretor do filme encare o livro-base de seu filme da mesma forma que você, a história será contada de outra forma, daí a obviedade. O narcisismo fica por conta de se achar pior a versão contada no filme, ao invés de se aproveitar a diferença de um outro olhar.
Coisa parecida ocorre quando um arquiteto visita uma cidade que é diferente daquela construída em sua mente, o que ocorre em cem por cento das vezes. Acaba-se por apenas se enxergar os defeitos que se resumem nas diferentes formas de se conceber e realizar uma cidade. 
Amadurecido, o arquiteto passa a aproveitar melhor os diferentes ambientes urbanos que visita, posto que procura diferenças enriquecedoras num esforço de auto-questionamento. Mas não se engane, para que o arquiteto amadureça, deve se desfazer de diversos ensinamentos recebidos em sua formação, esta ainda infantil, que conecebe a Utopia como lugar factível e não como crítica, como contraponto. O arquiteto é educado para a Utopia, para o modelo impraticável, e se encerra nela, tentando construí-la no mundo real a partir de sua visão do que vem a sê-la.
O problema se complica quando boa parte dos arquitetos nem leu a Utopia e não sabe do que se trata, portanto, não é capaz de eleger suas "melhores partes", projetando, então, na cidade uma expectativa de algo que nem mesmo concebe de forma madura.
Fazer filmes sobre livros não lidos e querer que todos o interpretem à sua maneira, eis um risco de ser arquiteto.