terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Imprevisibilidade

Qual a possibilidade de um escritor gerar o imprevisível?

Um autor cria seus personagens: o narrador, os protagonistas, os antagonistas, que muitas vezes se confundem quando a história é boa. E cria a narrativa, a condução do tema, do texto, das palavras, a cadência do romance. Mas existe alguma forma de criar um imprevisto?

É sabido que personagens ganham vida, cativam seus criadores que até se apaixonam por eles ou muitas vezes os odeiam, os invejam. E ali, o demiurgo autor pode cismar em criar um encontro impensado entre personagens de tramas diversas, que não deviam se conhecer, ou se amar, ou se tocar. Mas quando o faz, o faz com algum motivo além, por exemplo, a vontade de provocar um terceiro personagem, causar-lhe ciúmes, faze-lo sofrer...Mas é possível que o autor realize tal encontro sem saber o porquê? É possível que o criador de tramas abra mão de seu poder de condução da história para o acaso? E como fazê-lo? Qual a força deve ter um personagem para convencer seu criador a deixá-lo percorrer caminhos próprios?

Eis uma pergunta que não sei responder, só o sabem aqueles que se aventuram na tarefa de criar.

E eis uma pergunta que devem se fazer também os arquitetos. Além da criação randômica binária de que se utilizam para simular imprevistos, devem se lembrar da cidade, dos personagens que nela habitam e, principalmente, senhores arquitetos, devem entender que, ao se fazer a mesma pergunta que faço aos escritores, não se concebam como o criador, mas como personagem...

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Sobre o risco de ser arquiteto - 1

Como tudo nessa vida, a arquitetura tem seus altos e baixos. Mas este clichê não impede que se tente decifrar certas especificidades da profissão. Assim como o médico pode acabar, como anda contecendo com cada vez mais frequência, numa espécie de técnico (mercenário?) que observa um corpo, morto ou vivo, como se fosse um escritório, uma parede ou um investimento, corre o arquiteto o risco de enxergar assim a cidade. 
E eis que o arquiteto se torna, ao invés de um escritor, um editor, e cada chance de criar um espaço novo é abandonada pelo simples fato de que a criação pode lhe perceber rendimentos menores que se encarada fora do âmbito da criatividade. O arquiteto tem sempre optado por esta opção e as cidades ficam cada vez mais sem novidades reais. Quem já viu o novo centro de convenções do Rio de Janeiro sabe o que estou dizendo.
Mas este risco não foge ao clichê acima colocado. Tal característica perversa é inerente ao sistema social vigente que se crê eterno e as profissões como um todo se deformam nesta direção. Aliás se deformam ainda mais porque os profissionais se sentem na responsabilidade de não sair da linha de seu conhecimento nem por um milímetro. O arquiteto será arquiteto e lerá sobre arquitetura, falará sobre isso e verá nos filmes apenas as questões referentes ao seu métier. Esta padronização, que além de inerente é necessária ao sistema, gera, menos que especialistas notórios, míopes analfabetos funcionais. Iletrados inclusive no que se refere à gramática da cidade...cidade que ele mesmo deveria saber não apenas ler, mas escrever.

Segue o link para o Centro de Convenções (que foi "incorporado" por uma seguradora, bem à maneira Rio de Janeiro de ser). O prédio é aquilo que aparece no banner animado ao alto da página:

Achei também o escritório que fez o projeto, para voces compararem o projeto e a execução e chegarem às conclusões que quiserem:


P.S.: Não foi este edifício o motivo de minha escrita, ele acabou ganahando destaque por ser um exemplo mais recente e de muito impacto e, como os possíveis leitores desse blog não devem conhecer a obra, achei bom colocar os links a título de ilustração, ao invés de postar uma foto como faço usualmente. 

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Veneza

O homem saiu daquele beco. Era tortuoso e frio: o inverno. Era escuro devido à sua estreiteza em relação à altura dos palacetes silenciosos porque velhos: a história. Tinha cheiro encharcado de mar e brisa e esgoto: o suor. Era belo e heterogêneo, repleto de novidades em cada canto: urbano. Mas o homem, cansado, e o beco, indiferente, se largaram depois de breve convinvência de longos e claustrofóbicos minutos que pareciam uma vida, ou uma morte: o tempo.
A cidade: saiu o homem daquele beco...para encontrar com outro: o espelho.