quinta-feira, 27 de novembro de 2008

A cidade do arquiteto

Como era bela a capa daquele livro! Cinza, branca, bem diagramada, não sobrava nada ali, e nem faltava. Seu formato era incomum, regular demais, quadrado e também era muito pesado, de maneira que seu manuseio era considerado impraticável. A maioria dos leitores vorazes do lugar o admiravam apenas de uma certa distância o que dava a impressão que se iriitavam com fato de não conseguirem abri-lo, fuçá-lo, amassá-lo. Falsa impressão. 
Não se aproximavam porque gostavam que fosse assim, sentiam que era tão belo visto a certa distância, tão correto, tão honesto que seu lugar devia ser aquele mesmo, sozinho e orgulhoso na mesa central daquele cômodo. Desconheciam seu autor, mas o sabiam um gênio, convenciam-se disso a cada momento que olhavam aquele belo livro. Alguns frequentavam aquela seção apenas para poder, tímidos, vê-lo, mesmo que de relance para guardar aquela imagem intocável. Conta-se, mas não se sabe ao certo, que o livro foi até fotografado.
Até que um dia um vento forte invadiu o local, se aproximou do livro e o abriu violentamente. Foi uma comoção. Baratinados, ninguém sabia se deveria ou não se chegar para fechá-lo e retornar-lhe a beleza. Até que um dos leitores se aproximou com vagar, atraindo outros e mais outros que se inundaram em torno daquele objeto, daquela obra. E descobriram que suas páginas estavam em branco. Todas.
Entreolharam-se encabulados e, em sintonia, apalparam seus bolsos, bolsas e orelhas. Com lápis e canetas na mão, vorazmente começaram a escrever aquele livro. Ficaram ali horas seguidas. Frenéticos. Até que superaram sua própria exaustão quando perceberam ter criado um desequilíbrio. Desequilíbrio que faltava na cidade do arquiteto.




sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Esquinas

A esquina representa a infinitude de uma cidade. Talvez por isso os condomínios fechados sejam tão monótonos, exatamente por serem finitos. A sensação do confinamento murado é o oposto da esquina.
Imagine um livro sem rompimentos, sem bagunça, sem desencontros. É essa a idéia de uma cidade sem esquinas. E enganam-se aqueles que pensam que este texto se refere a Brasília. Nada mais óbvio que dizê-la assim. Nada mais falso. Afirmar tal certeza provém do fato de não se compreender que esquinas vão além da forma do corte urbano.
Daria no mesmo dizer que Saramago não possui rompimentos por seus períodos longos de duas ou mais páginas. As longas retas que percorre o escritor português são densas, sinuosas e repletas de esquinas em suas palavras descansadas.
Para quem ainda não se convenceu, pense num shopping, que se formalmente possui suas quinas, estas não passam de enfadonhos - como é bom o som da palavra enfadonho - e entediantes espaços sem graça, previsíveis e soníferos; algo como ficar lendo manuais de videocassete em várias línguas.
A esquina está em Brasília, está em São Paulo, está em Ouro Preto. Na esquina chove, na esquina se tropeça, na esquina se topa com o desconhecido, ou se foge dele por medo, medo de dobrar a página.


segunda-feira, 17 de novembro de 2008

O oriente

Tudo começou, como tinha que ser, com "Cem anos de solidão". Macondo era o labirinto da confusão absoluta, Axaxaxas. Aquela obra me fez enxergar o prêmio Nobel de literatura, diferentemente do de economia, com certo respaldo, e eis que experimentei Saramago. Dado o segundo acerto, fitei-me com Pamuk. Mas sobre este despejava uma segunda intenção,  a cidade de Istambul, que ainda será tema deste blog. 
Na verdade, estava em busca era do oriente. Não do oriente místico, distante, mas do nosso. Porque não há maneira mais miserável de se viver em nossas terras, seja quais forem elas, do que se imaginar percorrendo um espaço ocidental puro, que não há, nem aqui nem no ocidente.
E eis que, pouco tempo depois de Pamuk, cai em minhas mãos Oz, não o mágico, mas seu sobrinho-neto (foi ele quem disse isso), Amós.
E eis que o oriente, sem que eu o procurasse, se esfrega, de novo, à minha fronte. Mas a coincidência maior, para aqueles que acreditam nela, é que os dois escritores abordam a maneira pela qual seus lugares tentam se adaptar à vida ocidental como se isso lhes trouxesse um quê de modernidade, de avanço, quando costuma apresentar um quê de rídículo.
Não há nada mais miserável, repito, que tentar ser ocidental. O Rio de Janeiro nunca será Paris, por mais que queira, pelo simples fato de que as cidades, como os livros, são únicas. E nada mais sem graça do que uma cidade querendo ser outra. Seria como se estes escritos quisessem sair de outras mãos, de outro corpo. 
Não há cidades iguais, engana-se quem pensa que Lima se assemelha a Buenos Aires, que é igual a São Paulo e que, como em Utopia, quando se conhece uma cidade, conhece-se todas. Aqueles que pensam assim se perdem sempre nos labirintos urbanos sem saber. Eu me perco sabendo, desejando me perder e àqueles que dizem nunca terem se perdido, imagino que isso ocorra por nunca, na verdade, terem-se ido. Fogem, deliberadamente, da rinha.



sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Sobre as cidades e os livros

A ligação entre os termos não é nova nem inédita. Livros são percorridos e cidades são lidas a todo momento. E eis que chega um momento no qual nos perdemos: são tantas as cidades vividas, habitadas, sentidas, perdidas, sonhadas e são tantos os livros lidos, relidos, abandonados, evitados, absorvidos que nossos pés se transformam em mapas e nossos dedos em páginas. 
Disso pode surgir uma agonia e uma excitação. Aquela nos surpreende quando vemos o quanto ainda há por ler, sobretudo quando sabemos que a cidade que lemos hoje não é a mesma de ontem e nem de amanhã. A outra nos preenche pelo desejo inverso, a possibilidade de andar por novas ruas em estantes infindáveis de uma biblioteca, de um sebo, de um bairro.
O que se quer realizar aqui são pequenas construções, confrontos entre espaços e letras, tentativas de compreensão e, ordinariamente, de complicação...