O Brasil ganhou, em toda a
história das olimpíadas modernas, 23 medalhas de ouro. Cada uma representa algo
além da vitória e das lágrimas emocionadas da conquista. Pois estas medalhas de
ouro representam, no seu revés, todos os outros atletas que não conseguiram se
sobressaltar, que não tiveram nem apoio para praticar sua modalidade, que não
tiveram condições para poder se realizar enquanto ser humano independentemente
do resultado vitorioso.
Eu sugiro que este seja o acervo
do Museu Olímpico que irá substituir de forma bárbara a Aldeia Maracanã – certamente
com o auxílio de algum arquiteto da moda, ou quer estar na moda, e que fará o
projeto vistoso com retrofit e tudo o mais. Sugiro que seja colocada em cada
espaço do casarão uma das medalhas que o Brasil ganhou, representando ali os
esportes que praticamos no dia a dia e que apenas poucos conseguem vitória:
moradia, cidadania, direitos humanos, igualdade de gênero, igualdade de raça,
educação pública, saúde, informação de qualidade, distribuição de renda, lazer,
terra, trabalho e liberdade... Junto com isso, compondo
o Museu, decorando as paredes, os despojos do Célio de Barros, do Julio de
Lamare, da Friedenreich, da Vila Autódromo, da Indiana, do Morro da Providência...
As medalhas estariam dispostas de
tal forma, com iluminação especial e tudo, que se conseguiria enxergar além do ouro que as reveste, o sangue que
as preenche, e cada visitante poderia comprar na loja de souvenir um chaveirinho
de spray de pimenta, um mini-cacetete, uma camisa estampada do BOPE ou até
mesmo uma criativa noite com uma indiazinha em algum motel de luxo.
Por fim, o Museu Olímpico pode
exibir também uma peça que guarda uma aura fenomenal, a Constituição Federal,
representando ali os tempos em que boa parte da população acreditou que a Nova
República seria possível e que a ditadura desapareceria de vez... Afinal, o
maior erro foi daqueles que achavam que os anos de exceção nunca voltariam e que
acreditaram que a falta de liberdade era peça de museu...
A estupidez ocorrida hoje com a
expulsão dos índios que habitavam a Aldeia Maracanã tem muitos significados e
ainda servirá de inspiração para muita luta. A barbárie explícita foi a única
maneira que o Estado (unindo ali município, estado e nação) tinha para resolver
seu problema, pois os índios conseguiram encurralar o sistema ao decidirem que
aquele espaço era inegociável. Ali era o único lugar com história capaz de dar
conta de seu projeto de instaurar uma novidade na cidade, uma outra cultura que
enriqueceria a atual revelando seus problemas; uma relação social que não se
pautava na negociação numérica, do valor da quantidade, do dinheiro. Não havia preço
para a Aldeia Maracanã, pois ela não era possível de ser substituída. Ali
habitava um ponto cego do capital, e quando este ponto cego é exibido no centro
da cidade, não pode ter tolerância, pois a ameaça é enorme... A truculência
excessiva revelada hoje representa não apenas aquilo que sustenta hoje o Estado
a elite econômica; sua força excessiva representa também o tamanho de seu medo.
E é bom que eles temam mesmo!
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