sexta-feira, 22 de março de 2013

Aldeia Maracanã e o inegociável, ou uma proposta de acervo para o Museu Olímpico


O Brasil ganhou, em toda a história das olimpíadas modernas, 23 medalhas de ouro. Cada uma representa algo além da vitória e das lágrimas emocionadas da conquista. Pois estas medalhas de ouro representam, no seu revés, todos os outros atletas que não conseguiram se sobressaltar, que não tiveram nem apoio para praticar sua modalidade, que não tiveram condições para poder se realizar enquanto ser humano independentemente do resultado vitorioso.
Eu sugiro que este seja o acervo do Museu Olímpico que irá substituir de forma bárbara a Aldeia Maracanã – certamente com o auxílio de algum arquiteto da moda, ou quer estar na moda, e que fará o projeto vistoso com retrofit e tudo o mais. Sugiro que seja colocada em cada espaço do casarão uma das medalhas que o Brasil ganhou, representando ali os esportes que praticamos no dia a dia e que apenas poucos conseguem vitória: moradia, cidadania, direitos humanos, igualdade de gênero, igualdade de raça, educação pública, saúde, informação de qualidade, distribuição de renda, lazer, terra, trabalho e liberdade... Junto com isso, compondo o Museu, decorando as paredes, os despojos do Célio de Barros, do Julio de Lamare, da Friedenreich, da Vila Autódromo, da Indiana, do Morro da Providência...
As medalhas estariam dispostas de tal forma, com iluminação especial e tudo, que se conseguiria enxergar além do ouro que as reveste, o sangue que as preenche, e cada visitante poderia comprar na loja de souvenir um chaveirinho de spray de pimenta, um mini-cacetete, uma camisa estampada do BOPE ou até mesmo uma criativa noite com uma indiazinha em algum motel de luxo.
Por fim, o Museu Olímpico pode exibir também uma peça que guarda uma aura fenomenal, a Constituição Federal, representando ali os tempos em que boa parte da população acreditou que a Nova República seria possível e que a ditadura desapareceria de vez... Afinal, o maior erro foi daqueles que achavam que os anos de exceção nunca voltariam e que acreditaram que a falta de liberdade era peça de museu...
A estupidez ocorrida hoje com a expulsão dos índios que habitavam a Aldeia Maracanã tem muitos significados e ainda servirá de inspiração para muita luta. A barbárie explícita foi a única maneira que o Estado (unindo ali município, estado e nação) tinha para resolver seu problema, pois os índios conseguiram encurralar o sistema ao decidirem que aquele espaço era inegociável. Ali era o único lugar com história capaz de dar conta de seu projeto de instaurar uma novidade na cidade, uma outra cultura que enriqueceria a atual revelando seus problemas; uma relação social que não se pautava na negociação numérica, do valor da quantidade, do dinheiro. Não havia preço para a Aldeia Maracanã, pois ela não era possível de ser substituída. Ali habitava um ponto cego do capital, e quando este ponto cego é exibido no centro da cidade, não pode ter tolerância, pois a ameaça é enorme... A truculência excessiva revelada hoje representa não apenas aquilo que sustenta hoje o Estado a elite econômica; sua força excessiva representa também o tamanho de seu medo. E é bom que eles temam mesmo!


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