domingo, 11 de dezembro de 2011

A partir de amanhã...


Entrar amanhã na FAU será diferente de todas as outras vezes já feitas por mim. Desde que me mudei para o Rio em 2004 aquele prédio é parte presente em minha vida. Por incrível que possa parecer, para este mineiro que se mudou para o litoral não são as praias da zona sul a paisagem mais marcante do meu Rio de Janeiro, mas a Ilha do Fundão e, mais especificamente, o prédio da FAU.
Amanhã esta paisagem se alterará. Porque amanhã será o primeiro dia que pisarei aquele prédio sem poder encontrar Ana Clara. A Professora Ana Clara Torres Ribeiro foi uma das pessoas mais marcantes que conheci. E que conhecerei. Sua ausência precipitada anunciada de supetão nesta última sexta-feira criou um vácuo que nunca será preenchido. Nunca. Porque a vida é assim, construída com presenças. Presenças não são mensuráveis, portanto, são insubstituíveis. O vazio criado pela ausência de Ana Clara permanecerá, não há nada que o preencha.
Haverá, no entanto, o aprendizado. Ana Clara me ensinou com toda sua doçura a enxergar e entender a brutalidade brasileira para saber combatê-la. Ensinou-me que o pensamento percorre trajetórias as mais impossíveis, inclusive as mais prováveis e pode, por isso mesmo, nos surpreender; da mesma forma mostrou como somos capazes também de surpreender com o nosso pensamento mas, sobretudo, com nossa ação. Ana Clara, com sua ação em sala de aula me ensinou muito além de todo o conteúdo teórico, ensinou-me o prazer de ser aluno ao mesmo tempo em que me mostrou como é bom ser professor. Ela tinha essa capacidade, conciliando ação e pensamento, de nos aplicar a própria teoria ensinada combatendo a brutalidade com sua prática. Isso tudo ficará.
Mas seus sorrisos, seus abraços e seu carinho, essas ausências todas deixarão, para sempre, mais frio todo o prédio da FAU, a partir de amanhã...


quarta-feira, 30 de março de 2011

Hora extra

Parar de fumar pode ser uma experiência como qualquer outra dependendo da maneira como se lhe encara. Pode ser tão satisfatória como observar o temporal que cai lá fora e assusta e purifica e suja e limpa a cidade ao mesmo tempo. Pode ser tão imperceptivelmente dolorosa como olhar-se no espelho toda manhã sabendo-se o mesmo e diferente e repetindo o gesto no dia seguinte assim como se fez no anterior. Parar de fumar...fumar...fumar...fumar...fumar...
Sobretudo, para mim, é uma questão de tempo. O cigarro sempre foi um ótimo companheiro de espera, uma espécie de vírgula existencial. Chamo o táxi e enquanto ele não vem: um cigarrinho. Intervalo da aula acabou e até que os alunos voltem de seus afazeres: um cigarrinho. Vamos sair mas a companhia ainda tem que terminar de se arrumar, ou tocou o telefone: um cigarrinho. Lendo, dez páginas de teoria pesada, pausa para compreensão maior, lá se foi mais um; lendo, cinco páginas de teoria razoável, ôpa; lendo, cinco páginas de um romance difícil, demorô; lendo, cinco páginas de besteirol, mais um; lendo, duas páginas, uma página...ora, bolas, fume logo uns dois cigarros de uma vez antes de voltar a ler esse jornal!
Questão de tempo, 12 cigarros por dia, cinco minutos cada um, ganhei uma hora em meu dia; mas quem disse que eu precisava desta hora? Esta era exatamente a hora que eu fazia questão de perder, de gastar sem nada fazer, nada além de fumar... Agora se foi, tenho que me recompor e reaprender a construir meu tempo, domando esta hora extra e me acostumando a tomar café com pensamento sem fumaça.
Questão de tempo: quando eu tiver oitenta, quem sabe...


sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O inesperado

(Não devemos registrar nossas idéias quando estamos bêbados: nem por telefone, nem por e-mail, nem mesmo Facebook ou twitter que possuem o delete. Mas não posso deixar de relatar o que acontece agora, bêbado que estou de alegria pelo Egito)
Há coisas que não esperamos. Ano passado ganhei de presente um iPod de minha amada... Foi surpesa friamente calculada, o bichinho ficou escondido meses em minha casa antes de se revelar. Estranhei o aparelhinho no início mas, como costuma acontecer, gostei dele. Reconheço que me tornei um quase dependente dessa prótese (o que me requenta os tempos de infância quando a-do-ra-va o personagem Doc do desenho Galaxy Rangers...ele tinha um iPod!!).
Pois bem, há alguns dias eu baixei a Al Jazeera para acompanhar ao vivo as movimentações no Egito cuja cobertura pela nossa imprensa, obviamente, foram pífias (e continuarão a sê-lo). Virava e mexia, nas situações mais bizarras que a portabilidade permite, estava eu assistindo o povo na Praça Tahrir, encantado com a resistência crescente do povo egípcio...
Ontem, ao chegar de Campos, Renata me disse que Mubarak havia feito um pronunciamento afirmando que não sairia e eu disse: então ele vai sair! Especulação pura, um relógio parado acerta duas vezes a hora todo dia, mas a massa não parava de crescer na praça desde o dia do despejo quando o ditador teve sua chance de sair ainda sem o rabo entre as pernas mas desconfiou do inevitável. Eu simplesmente chutei que ele sairia devido ao comportamento usual dos políticos cretinos que sempre afirmam o contrário de suas ações, e fiquei na torcida...esperando...esperando o quê?
Deixei meu iPod ligado enquanto resolvia coisas no computador e, de repente, olho e vejo o vice-presidente realizando um anúncio, sem prestar muita atenção no conteúdo... E eis que uma das coisas mais incríveis aconteceram. No volume máximo, meu iPod começou a gritar e gritar anunciando a alegria de milhões de egípcios diretamente da praça Tahrir que, neste momento, chamava-se Egito; segurei-o com as duas mãos e ele vibrava, vibrava enquanto eu me arrepiava e meu olhos se enchiam d'água por estar ali carregando a liberdade tão pertinho de mim...
Havia um locutor de rádio em BH, Willy Gonzer, que era adorado por sua torcida atleticana. Ele parou de narrar os jogos do Galo há uns dois anos. Willy era muito sensível e, na hora do gol, antes de dar o grito derradeiro, deixava correr o som do estádio: mudo segundos antes da bola entrar e se explodindo logo depois junto com seu grito de gol... Era lindo ouvir a torcida...Nunca vi um narrador assim. Da mesma forma, a generosa Al Jazeera, ao contrário das outras todas emissoras, soube respeitar o momento e se calou, transmitindo por uns dez minutos imagens ao vivo com som local, aquela gritaria feliz, assovios, choro, abraços...uma torcida comemorando todos os gols da história do seu time.
Há coisas que inesperadas: elas podem se chamar presentes, mas podem também se chamar revolução!





terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Caiu na rede é peixe

Não acredito em muita coisa...deixei de crer em deus há algum tempo...não acredito em duendes, anjos, fadas, espíritos...não acredito na lei de mercado e muito menos no estado centralizador...não acredito na democracia que está aí, aliás, não acredito que vivemos em uma democracia, conseqüentemente, sou muito refratário à via eleitoral...mas, creiam vocês, acredito nos homens.
Este post é sobre algo que não acredito: sites de "compras coletivas" cujo o mais famoso, para mim, é o tal do Peixe Urbano.
Muita gente tem embarcado nessa nova onda internética medioclassista (não acredito na classe média também, rs, mas não sei onde foi parar o operariado, rs) crendo estar fazendo um bom negócio. A questão é: bom negócio para quem? Para mim, nunca será bom negócio me inscrever em algo que fomenta a compra daquilo que não quero (não acredito em publicidade). A lógica apregoada destes sites é de que, comprando em coletividade, consegue-se preços melhores do que aqueles praticados pelo mercado...um "vantajão"... Enxergo estes sites de uma forma bem distinta: precisam vender algo, anunciam ali como queima de estoque e você compra, isto é, trata-se de uma última tentativa da fuga do prejuízo, uma ferramenta administrativa pós estoque que beneficia aqueles que não conseguiram fazer um bom planejamento de vendas e, pasmem, mantém os preços do mercado mais altos! Sim, pois se os produtos não estão vendendo como deveriam, o ideal seria que a produção se diversificasse ou mesmo que seu preço abaixasse, no entanto, quando um produtor consegue vender o restolho de seu prejuízo, ele pode muito bem manter os preços como estão e, na hora H, lançar mão destes sites de "compra coletiva", ou "distribuição coletiva do prejuízo": trata-se de uma armadilha em forma de sedução (isto analisando apenas pela lei de mercado da oferta e da procura...e, advinhem, eu também não acredito nela).
Mas além de toda essa simplória análise da cadeia produtiva, existe uma questão que, para mim, é mais grave: quem disse que eu quero comprar o que oferecem? A última coisa de que preciso é mais um lugar me dizendo o que fazer, o que comprar, quando e onde fazê-lo. Estes pequenos hábitos nos tornam mais e mais consumistas e, por mais que o consumo seja uma coisa boa, assim como o mercado também o é, o risco que se corre é dar-lhes uma primazia sobre sua vida, isto é, quando mercado e o consumo passam a controlar seu hábitos é que é o problema. E estas ferramentas de compras não são nada mais do que isso, mais uma forma de te impelir o consumo que você nem pensava em fazer: mas tá tão barato...
Ou seja, quem decide sua vida? Sei que isso pode soar exagerado, mas creio nas pequenas formas de controle como sendo muito poderosas (evito ser acadêmico demais aqui neste blog, mas a microfísica do poder foucaultiana está aí para nos provar que não minto sozinho).
Estes sites aceleram nossa vida para a velocidade cada vez mais extenuante do mercado. Criam um modo de vida que se utiliza da forma de interação das redes sociais, mantendo-nos presos e curiosos todo o tempo, sempre ligados, mas, neste caso, para fins unicamente de consumo. Prefiro manter uma vida mais lenta, aprender com a vagareza, compreender o homem lento de que Milton Santos tanto nos dizia (ai, a academia)... Nem tudo é bom na modernidade, pelo menos eu não acredito que tudo o seja...pelo menos não para mim...

P.S.: Este post surgiu do comentário da amiga Clarisse Bressan, médica, comentarista profissional e cantora em seu Facebook: "Não tenho velocidade suficiente pra comprar em sites de compras coletivas"...Nem eu, minha cara, nem eu...


Acho que essa imagem já apareceu nesse blog...mas vale o repeteco.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Laerte e o fim do dualismo

Sei que o assunto já foi mais que explorado pela mídia, mas considero Laerte "a" personalidade de 2010. Sua postura colocou muita coisa em questão. Não, sua postura colocou muita coisa importante em questão.
Muito além da sexualidade, ele tocou em um ponto que devemos nos atentar: o dualismo. Estamos acostumados a pensar e agir de forma dualista e isso é, na minha opinião, um entrave para uma transformação social de fato. Se antes pensávamos, para começar com a bola levantada por Laerte, em dois sexos, depois de muita luta pelo reconhecimento da homossexualidade passamos de um dualismo a outro. Do masculino versus feminino fomos para... o homossexual versus heterossexual. Simples assim, dualista assim, preto no branco assim. Pobre assim.
Daí vem Laerte e coloca o dedo na ferida.
Da mesma forma agimos em diversos outros campos, por exemplo, como no caso eleitoral. Ou se era Dilma ou se era Serra, ou se era PT ou se era PSDB. Quanta falta de imaginação. Quantas mil vezes eu criticava a Dilma e tinha sempre que terminar obrigatoriamente com a frase: critico Dilma, mas não apoio Serra. Trata-se de uma idéia muito pobre de escolha como que derivada entre a velha e inexistente batalha entre o bem e o mal, entre democratas e republicanos, zzzzzzzzzzzzz...
Dualismo dá sono, empobrece o debate e enfraquece a possibilidade de mudança. O que me surpreende é que a sociedade brasileira tem todos as razões de romper com o dualismo: não somos pretos nem brancos, não somos centro e tampouco periferia; não jogamos basquete, mas futebol (o esporte menos dualista de todos, pois há sempre a possibilidade de ninguém ganhar e mesmo dos dois times perderem). Mas, ainda assim, recaímos sempre no comportamento hegemônico do dualismo... observemos isso e nos transformemos: há muitas opções para tudo neste mundo, o ser humano é improvável, imprevisível e surpreendente, não recaiamos na chatice da previsibilidade.

Dualistas de todo o mundo, imaginem!


domingo, 9 de janeiro de 2011

Da difícil (e prazerosa) tarefa de escrever...

Há quase um ano não escrevo aqui. Mas, depois de muitas tentativas de volta - e espero não parar de escrever daqui pra frente - retorno à minha escrita... Mudarei algumas coisas neste blog, o que significa que não escreverei exclusivamente sobre a relação entre literatura e a cidade. O tema, obviamente, não será abandonado de vez, mas não será obrigatório, afinal de contas não faz muito sentido eu me ver castrado por uma regra que eu mesmo criei. Depois de romper com Deus a última coisa de que necessito é de um novo impostor de regras.
Escrever não é fácil. Cada dia fico mais acostumado a apenas ler ou ver; e, de forma bastante incômoda, escrever fica sempre pra depois, mas por quê? Suponho haver um zilhão de respostas a isso, desde a formação educacional que não nos estimula à ação até mesmo às facilidades que a passividade nos oferece cada vez mais: tornamo-nos "seres informados" pelos twitters da vida (que eu adoro) e divulgamos informações de forma tão rápida que beira a náusea, mas ao mesmo tempo nos transformamos em seres que não produzem informação. E escrever é produzir. E produzir não é fácil. No entanto, ao contrário do que pensam aqueles que igualam dificuldade com sofrimento, eu acho que produzir é extremamente prazeroso. Difícil e prazeroso, escrever é assim.
Ao mesmo tempo é arriscado demais escrever, pois corremos um risco enorme de sermos lidos. Sermos lidos... É um pouco assustador, mas faz parte da ação, da produção, da escrita, da disputa. Escrever é disputar, é dar a cara a tapa, é apanhar, é bater, berrar, beliscar, bolinar, burlar, brigar, beneficiar, brincar, batizar, bolar, bilhar, bala, bela, bila, bola e bula.
Como é bom! Mesmo quando é um textinho sem vergonha apenas para aquecer os dedos e o teclado, já faz uma diferença enorme tê-lo postado, com a última ressalva aos possíveis leitores que as próximas produções serão mais interessantes que essa, pois escrever também é transformar!